AGORA DESENHAMOS BICICLETAS

A criação pictórica, no mundo artístico, foi uma tarefa cometida quase exclusivamente ao desenho, até 1839, altura a partir da qual as técnicas de captação mecânica do visível se estabeleceram e mudaram de vez o paradigma das artes.
Desde o final do século XIX e durante quase todo o século XX, a fotografia e os seus sucedâneos foram os sistemas convencionais da captação e apropriação do real e os promotores do espectáculo artístico. A este fenómeno acresceu o erro na interpretação das acções artísticas levadas a termo na segunda década do século XX (Bicycle Wheel, 1913 ou Fountain, 1917, de Duchamp), que foram readmitidas, enquanto arte para consumo, e repetidas exaustivamente, até aos nossos dias.
Estes procedimentos de captura/apropriação ensombraram toda a acção artística que deles não derivasse e elevaram a sua toxicidade (metáfora usada na actual crise económica e que se lhe pode associar) até aos limites - estéticos, económicos e historiográficos –, do suportável, numa escalada asfixiante.

O “disegno esterno” sofreu, desde o início da mecanização da imagem, a maior turbulência de sempre – foram também os tempos de maior criatividade, diga-se, até ao ponto de quase desaparecer nos anos 70 do século XX, excepção feita para alguns nichos de produção muito localizados, quer na academia, quer na agitação das vanguardas artísticas.

No final dos anos 80 do século XX, com o início dos programas de edição de imagem, a fotografia tornou-se, cada vez mais, uma técnica passível de intervenção gráfica, ou seja, ficou mais permeável a operações convincentes sobre o suposto registo do real.
A partir de 1998, com o aparecimento de programas de criação e de edição de imagem 3D, a invenção gráfica (desenho) começou a ser, de novo e cada vez mais solicitada.
Com o retorno da criação, agora aos domínios do desenho - virtual ou antigo –, a apropriação, a desfuncionalização e a banalização já não podem ser mais suportadas como identidade criadora, esfumam-se na nossa percepção e esvaziam-se nos nossos conceitos.
Cada época concebeu as técnicas e as normas gráficas capazes de resolver as problemáticas e os mapas conceptuais inerentes à condição artística.

Na actualidade, com o contributo dos gráficos 3D e outras ferramentas de geração digital, não só o desenho regressa à criação da obra de arte, como também o criador retorna à origem do objecto estético e à sua inteira condição de artista, como autor e produtor de energias gráficas e conceptuais e a produção artística aparece agora mais desligada dos mimetismos que a blindavam.